quinta-feira, 2 de junho de 2011

COPING....



Adriane Scomazzon Antoniazzi
Débora Dalbosco Dell'Aglio
Denise Ruschel Bandeira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul



Resumo


O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas ou estressantes. O presente artigo apresenta os modelos de coping de Folkman e Lazarus, e de Rudolph, Denning e Weisz, bem como suas diferentes posições teóricas e metodológicas. As definições de estilos e estratégias de coping, sua eficácia e possíveis relações com traços de personalidade são discutidas. É salientada a necessidade de uma teoria de stress-coping específica para crianças, tendo em vista as mudanças cognitivas que ocorrem no curso de seu desenvolvimento. Este artigo apresenta também questões controversas sobre o tema e aponta a necessidade de pesquisas sobre coping no Brasil, para auxiliar na compreensão e desenvolvimento deste conceito.
Palavras-chave: Coping, Stress, Estratégias de coping, Estilos de coping



O coping é concebido como o conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas. Os esforços despendidos pelos indivíduos para lidar com situações estressantes, crônicas ou agudas, têm se constituído em objeto de estudo da psicologia social, clínica e da personalidade, encontrando-se fortemente atrelado ao estudo das diferenças individuais. Historicamente, três gerações de pesquisadores têm-se dedicado ao estudo do coping. Diferenças marcantes podem ser observadas em suas construções, tanto a nível teórico quanto a nível metodológico, decorrentes de suas filiações epistemológicas (Suls, David & Harvey, 1996).

Desde o início do século, pesquisadores vinculados à psicologia do ego têm concebido o coping, enquanto correlato aos mecanismos de defesa, motivado interna e inconscientemente como forma de lidar com conflitos sexuais e agressivos (Vaillant, 1994). Eventos externos e ambientais, posteriormente incluídos como possíveis desencadeadores dos processos de coping foram, a exemplo dos mecanismos de defesa, categorizados hierarquicamente no sentido dos mais imaturos aos mais sofisticados e adaptativos (Tapp, 1985). Assim, para esta primeira geração de pesquisadores, o estilo de coping utilizado pelos indivíduos era concebido como estável, numa hierarquia de saúde versus psicopatologia.

A partir desta perspectiva inicial, algumas distinções foram sendo feitas no sentido de diferenciar os mecanismos de defesa do coping propriamente dito. A principal modificação feita neste sentido consistiu na distinção entre os comportamentos associados aos mecanismos de defesa, classificados como rígidos, inadequados com relação à realidade externa, originários de questões do passado e derivados de elementos inconscientes. Já os comportamentos associados ao coping foram classificados como mais flexíveis e propositais, adequados à realidade e orientados para o futuro, com derivações conscientes. Esta abordagem tem sido bastante criticada em função das dificuldades teóricas da psicologia do ego de testar empiricamente suas concepções (Folkman & Lazarus, 1980).

A partir da década de 60, estendendo-se pelas duas décadas seguintes, uma segunda geração de pesquisadores apontou para uma nova perspectiva com relação ao coping. Esta nova tendência buscou enfatizar os comportamentos de coping e seus determinantes cognitivos e situacionais (Suls, David & Harvey, 1996). Pesquisadores passaram a conceitualizar coping como um processo transacional entre a pessoa e o ambiente, com ênfase no processo, tanto quanto em traços de personalidade (Folkman & Lazarus, 1985). Esta época foi marcada por importantes avanços na área, que geraram inúmeras publicações, em especial pelo grupo de Lazarus e Folkman (Folkman & Lazarus, 1980, 1985; Lazarus & Folkman, 1984 ).

Mais recentemente, uma terceira geração de pesquisadores têm-se voltado para o estudo das convergências entre coping e personalidade. Esta tendência têm sido motivada, em parte, pelo corpo cumulativo de evidências que indicam que fatores situacionais não são capazes de explicar toda a variação nas estratégias de coping utilizadas pelos indivíduos. Por outro lado, o interesse despertado pela credibilidade científica dos estudos sobre traços de personalidade, em especial, o modelo dos Cinco Grandes Fatores tem ampliado os estudos nesta direção (Holahan & Moos, 1985; McCrae & Costa, 1986; O'Brien & DeLongis, 1996; Watson & Hubbard, 1996). Os traços de personalidade mais amplamente estudados, que se relacionam às estratégias de coping, são otimismo, rigidez, auto-estima e locus de controle (Carver & Scheier, 1994; Carver, Scheier & Weintraub, 1989; Compas, Banez, Malcarne & Worsham, 1991; Lopez & Little, 1996; Parkes, 1984).

Muitos dos artigos publicados sobre coping referem-se à construção de instrumentos de medida. Embora muitos anos de desenvolvimento teórico e pesquisa tenham se passado, e uma grande variedade de inventários e checklists tenham sido desenvolvidos (por exemplo, Amirkhan, 1990; Carver, Scheier & Weintraub, 1989; Endler & Parcker, 1990; Folkman & Lazarus, 1980), não chegamos, ainda, a um entendimento compreensivo da estrutura do coping.

Modelos de Coping

Numa perspectiva cognitivista, Folkman e Lazarus (1980) propõem um modelo que divide o coping em duas categorias funcionais: coping focalizado no problema e coping focalizado na emoção. Esta construção baseou-se em análises fatoriais que geraram dois fatores principais utilizados pelos pesquisadores para definir os dois tipos de estratégias de coping. Nesta perspectiva, coping é definido como um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objetivo de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de stress e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo seus recursos pessoais (Lazarus & Folkman, 1984). Esta definição implica que as estratégias de coping são ações deliberadas que podem ser aprendidas, usadas e descartadas. Portanto, mecanismos de defesa inconscientes e não intencionais, como negação, deslocamento e regressão, não podem ser considerados como estratégias de coping. Além disso, somatização, dominação e competência são vistos como resultados dos esforços de coping e não como estratégias (Ryan-Wenger, 1992).

O modelo de Folkman e Lazarus (1980) envolve quatro conceitos principais: (a) coping é um processo ou uma interação que se dá entre o indivíduo e o ambiente; (b) sua função é de administração da situação estressora, ao invés de controle ou domínio da mesma; (c) os processos de coping pressupõem a noção de avaliação, ou seja, como o fenômeno é percebido, interpretado e cognitivamente representado na mente do indivíduo; (d) o processo de coping constitui-se em uma mobilização de esforço, através da qual os indivíduos irão empreender esforços cognitivos e comportamentais para administrar (reduzir, minimizar ou tolerar) as demandas internas ou externas que surgem da sua interação com o ambiente. Este modelo tem sido referido como o mais compreensivo dos modelos existentes (Beresford, 1994).

Rudolph, Denning e Weisz (1995) apontaram contradições nas definições de coping realizadas por diferentes autores. Por definição, coping é visto como um mediador entre um estressor e o resultado advindo desse estressor (Folkman & Lazarus, 1980; Peterson, 1989). Contudo, há uma relação intrínseca entre as estratégias de coping e seus resultados. Este fato tem provocado confusão acerca do que seriam tentativas de coping e resultados de coping (Peterson, 1989), ou recursos de coping e resultados de coping (Beresford, 1994).

Estas dificuldades levaram Rudolph e colaboradores (1995) a propor que o coping deveria ser entendido como um episódio, no qual há uma tentativa de separação entre três aspectos fundamentais: uma resposta de coping, um objetivo subjacente a essa resposta e um resultado. Tal resposta deve ser diferenciada de uma resposta de stress, que é não intencional e sem objetivo.

Nesta perspectiva, considera-se que a resposta de coping é uma ação intencional, física ou mental, iniciada em resposta a um estressor percebido, dirigida para circunstâncias externas ou estados internos (Lazarus & Folkman, 1984). A resposta de stress é qualquer resposta envolvendo uma reação emocional ou comportamental espontânea. O objetivo de coping constitui-se, desta forma, na intenção de uma resposta de coping, geralmente orientada para a redução do stress. Ao propor este esquema, os autores salientam a diferença entre resultados de coping, que são as conseqüências específicas da resposta de coping e os resultados de stress, ou seja, as conseqüências imediatas da resposta de stress. Ambos podem promover, ou não, a adaptação do indivíduo.

Para Rudolph e colaboradores (1995), o episódio de coping faz parte de um processo que sofre influência de múltiplas variáveis. Dois conceitos encontram-se envolvidos nesse processo, os moderadores e os mediadores. Estas variáveis costumam ser utilizadas indistintamente na pesquisa em psicologia social, mas foram diferenciadas por Baron e Kenny (1986) e traduzidas para o coping por Rudolph e colaboradores (1995). Os moderadores são caracterizados como variáveis que afetam a direção ou a intensidade da relação entre uma variável independente e uma variável dependente. Em termos de coping, essa variável seria aquela pré-existente que influenciaria o resultado de coping, mas que não seria influenciada pela natureza do estressor ou pela resposta de coping. Mais especificamente, os moderadores refletiriam as características da pessoa (nível de desenvolvimento, gênero, experiência prévia, temperamento), do estressor (tipo, nível de controlabilidade), do contexto (influência paterna, suporte social) bem como a interação entre esses fatores.

Os mediadores, por sua vez, são definidos como mecanismos através dos quais a variável independente é capaz de influenciar a variável dependente. Especificamente no coping, estes mecanismos seriam, por exemplo, a avaliação cognitiva e o desenvolvimento da atenção. Sua característica principal é que eles seriam acionados durante o episódio de coping, em oposição aos moderadores, que seriam pré-existentes (Rudolph, Denning & Weisz ,1995).

A falta de unanimidade com relação a estes conceitos tem levado os pesquisadores na área a adotarem diferentes nomenclaturas para descrever construtos similares. Desta forma, o que Rudolph e colaboradores (1995) têm descrito como moderadores pode ser relacionado ao conceito de recursos pessoais e sócio-ecológicos de coping, descritos por Beresford (1994). Os recursos pessoais de coping são, segundo este autor, constituídos por variáveis físicas e psicológicas que incluem saúde física, moral, crenças ideológicas, experiências prévias de coping, inteligência e outras características pessoais. Os recursos sócio-ecológicos, encontrados no ambiente do indivíduo ou em seu contexto social, incluem relacionamento conjugal, características familiares, redes sociais, recursos funcionais ou práticos e circunstâncias econômicas.

Segundo sua proposição, a disponibilidade de recursos afeta a avaliação do evento ou situação e determina que estratégias de coping o indivíduo pode usar. Geralmente, as pesquisas têm focalizado os fatores sócio-ecológicos, pois eles são mais facilmente mensuráveis do que os recursos pessoais (Billings & Moss, 1984; Mellins, Gatz, & Baker, 1996; Weisz, McCabe, & Denning, 1994).

Os recursos sócio-ecológicos podem, entretanto, atuar como fatores de risco e de resistência ao ajustamento do indivíduo. Neste sentido, os recursos de coping estão, segundo Beresford (1994), fortemente vinculados à noção de vulnerabilidade, já que a vulnerabilidade aos efeitos do stress é mediada por recursos de coping. Dependendo da qualidade e da disponibilidade destes recursos, o sujeito torna-se mais vulnerável ou mais resistente aos efeitos adversos do stress. Stress e vulnerabilidade podem ser um círculo vicioso, em que o stress afeta os recursos de coping e incrementa a vulnerabilidade.

Estilos e Estratégias de Coping

Tratando-se de coping, é importante distinguir entre o que os pesquisadores têm denominado estratégias de coping e estilos de coping. Embora esta distinção não seja completamente consensual, sua descrição faz-se necessária para uma mais ampla compreensão deste conceito.

Em geral, os estilos de coping têm sido mais relacionados a características de personalidade ou a resultados de coping, enquanto as estratégias se referem a ações cognitivas ou de comportamento tomadas no curso de um episódio particular de stress. Embora os estilos possam influenciar a extensão das estratégias de coping selecionadas, eles são fenômenos distintos e têm diferentes origens teóricas (Ryan-Wenger, 1992).

Eficácia das estratégias de coping

Outro aspecto controverso na literatura do coping diz respeito à eficácia das estratégias empregadas pelos indivíduos durante os episódios de coping. De acordo com Beresford (1994), embora o julgamento sobre a eficácia ou adaptabilidade das estratégias de coping tenha se mostrado extremamente subjetivo em muitas pesquisas, coping deve ser visto como independente do seu resultado. No modelo de coping e stress proposto por Lazarus e Folkman (1984), qualquer tentativa de administrar o estressor é considerado coping, tenha ela ou não sucesso no resultado. Desta forma, uma estratégia de coping não pode ser considerada como intrinsecamente boa ou má, adaptativa ou mal adaptativa. Torna-se então necessário considerar a natureza do estressor, a disponibilidade de recursos de coping e o resultado do esforço de coping.

Para Compas (1987), ambas as estratégias de coping, focalizada no problema e focalizada na emoção são importantes, mas a sua eficácia é caracterizada por flexibilidade e mudança. Novas demandas requerem novas formas de coping, pois uma estratégia não é eficaz para todos os tipos de stress. O resultado de uma estratégia de coping é difícil de avaliar porque pode mudar com o tempo. Além disso, uma estratégia de coping que alivia imediatamente o stress pode ser a causa de dificuldades posteriores. Beresford (1994) salienta que o processo de coping não pode ser simplificado pois, quando um indivíduo lida com um estressor, as estratégias de coping são utilizadas individualmente, consecutivamente e em combinação. Assim, o impacto de uma estratégia de coping pode ser confundida pelo efeito de outras estratégias.

Coping e desenvolvimento

Lazarus e DeLongis (1983) indicam claramente que os processos de coping variam com o desenvolvimento da pessoa. Essa variabilidade ocorre devido a grandes modificações que se processam nas condições de vida, através das experiências vivenciadas pelos indivíduos. Segundo este ponto de vista, não somente o envelhecimento é levado em consideração, mas também o significado dos eventos estressantes nos diversos momentos da vida dos indivíduos. Devido a essa variabilidade, os autores defendem a idéia de que o coping seja estudado longitudinalmente.

A maioria dos trabalhos sobre processos de coping na criança tem usado a teoria de stress de Lazarus e Folkman (1984), que descreve um processo recíproco de avaliação cognitiva de recursos de coping e de estressores. No entanto, Compas (1987) aponta a necessidade de alterações para aplicar as noções de stress e coping às ações de crianças e adolescentes. Para entender os recursos, estilos e esforços de coping na infância é necessário compreender melhor seu contexto social, tendo em vista a dependência da criança em relação ao adulto para sua sobrevivência. Além disso, os esforços de coping da criança são delimitados por sua preparação biológica e psicológica para responder ao stress. Por outro lado, as características básicas do desenvolvimento cognitivo e social tendem a afetar o que as crianças experimentam como stress e como elas lidam com situações estressantes. Estão incluídas nessas características as crenças sobre a auto-percepção e auto-eficácia, mecanismos inibitórios e de auto-controle, atribuição de causalidade, relacionamento com pais e amigos, entre outras.

Por outro lado, Ryan-Wenger (1992) salienta a necessidade de uma teoria de stress-coping específica para a criança, considerando que os estressores da criança não são os mesmos do adulto. Os estressores da criança se referem a situações com os pais, com outros membros da família, professores ou condições sócio-econômicas que estão fora de seu controle direto. Muitos estressores são mais difíceis de serem modificados pela própria criança do que pelos adultos. O nível de desenvolvimento cognitivo também influencia a utilização de determinadas estratégias, pois a avaliação de um estressor envolve vários processos simultâneos: a criança precisa relacionar o evento estressante com a lembrança de eventos semelhantes enfrentados em outros momentos, necessita definir os parâmetros do evento estressante, tais como a intensidade potencial e a duração e, ainda, avaliar a probabilidade de ocorrência do evento além de sua durabilidade (Peterson, 1989).

Estudos de coping em crianças têm investigado eventos de vida considerados estressantes, tais como situações envolvendo o divórcio dos pais, situações de hospitalização da criança, consultas médicas e odontológicas e situações relacionadas a resultados escolares. (Ayers, Sandler, West, & Roosa, 1996; Carson & Bittner, 1994; Compas, Malcarne, & Fondacaro, 1988; Kliewer, & Sandler, 1993; Weisz et al, 1994). Nestas pesquisas têm sido descritas potenciais diferenças relacionadas à gênero e idade no uso das estratégias de coping. Tem sido verificado que o gênero pode influenciar a escolha das estratégias de coping porque meninos e meninas são socializados de forma diferente. As meninas podem ser socializadas para o uso de estratégias pró-sociais enquanto que os meninos podem ser socializados para serem independentes e utilizar estratégias de coping competitivas (Lopez & Little, 1996).

Quanto à idade, Heckhausen e Schulz (1995) sugerem que as habilidades necessárias para usar coping focalizado no problema ou focalizado na emoção emergem em diferentes pontos do desenvolvimento. Para Compas e colaboradores (1991), as habilidades para coping focalizado no problema parecem ser adquiridas mais cedo, nos anos pré-escolares, desenvolvendo-se até aproximadamente 8 a 10 anos de idade. As habilidades de coping focalizado na emoção tendem a aparecer mais tarde na infância e se desenvolvem durante a adolescência, já que as crianças muito pequenas ainda não têm consciência de seus próprios estados emocionais. Além disto, aprender as habilidades relacionadas ao coping focalizado na emoção através de processos de modelagem é mais difícil do que aprender as habilidades de coping focalizadas no problema, mais facilmente observadas pelas crianças no comportamento dos adultos. Os adolescentes utilizam mais coping focalizado na emoção do que as crianças, mas não diferem de jovens adultos, sugerindo que estas mudanças no desenvolvimento de coping ocorrem até o final da adolescência (Compas et al, 1991).

Diversas pesquisas têm buscado relacionar os processos de coping com adaptação ao stress durante a infância e adolescência. Estes trabalhos têm investigado, mais especificamente, o coping relacionado a apego e separação durante a infância, suporte social, resolução de problemas interpessoais e cognição, coping em contextos aquisitivos, resiliência e invulnerabilidade ao stress, regulação da emoção, temperamento entre outros (Carson & Bittner,1994; Dweck, Goetz, & Strauss, 1980, Hock & Clinger, 1981; Lopez & Little, 1996; Rossman, 1992).

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