segunda-feira, 30 de maio de 2011

continuação....

SEXUALIDADE E IMAGEM CORPORAL...


Uma vez doente, o paciente passa a se deparar com sentimentos de impotência e dependência, além das alterações em sua imagem corporal decorrentes do tratamento. Em geral, as condutas terapêuticas são tomadas por outro que não o paciente. As limitações físicas acarretam a necessidade de ajuda quase constante de familiares e amigos.
A aceitação da doença e a troca de informação dentro de sua família pode convir uma diminuição de estresse, possibilitando a expressão de emoções e sentimentos comuns, onde a família surge como um espaço de proteção tanto físico quanto emocional. A mutilação sem dúvida acarreta distúrbios de imagem corporal, e além de afetar a paciente traz implicações ao seu cônjuge, onde a imagem corporal é a figuração do nosso corpo, formada em nossa mente.
Freud (1997, p.112) refere que:
O sofrimento ameaça o homem a partir de três direções: do próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução; do mundo externo que pode voltar-se contra o indivíduo com forças esmagadoras e impiedosas de destruição e aquele que talvez seja o mais penoso de todos, que é o relacionamento com os outros homens.
37
As mulheres acometidas por esta neoplasia geralmente encontram-se num estágio emocional frágil, não tendo consciência de conflitos psíquicos, possuindo fantasias de sentimentos de culpa, medo, acompanhado de dor e sofrimento pela retirada do tumor na mastectomia, perda do parceiro, comprometimento da sexualidade, no qual todos esses aspectos venham a indicar a necessidade de apoio e acolhimento para que a mulher possa lidar com as modificações em seu corpo que reflete em muitos aspectos em sua vida. (PEÇANHA, 2008).
Frente à ameaça e sofrimento, é natural do ser humano a utilização de mecanismos de defesa para proteger-se possuindo relação direta com o histórico pessoal, valores e crenças no que é necessário para manter sua integridade psíquica.
A imagem corporal pode ser compreendida como a representação mental que a pessoa tem do próprio corpo, estando diretamente vinculada à percepção, compondo-se de aspectos fisiológicos, psico-afetivos, sócio-culturais, cognitivos e relacionais. Esse imagem é construída ao longo de toda vivência, a partir de experiências com o mundo exterior. (Duarte & Andrade, 2002; Huguet, 2005). Segundo Messa (s.d.) a imagem corporal é um processo peculiar de cada ser humano e aponta a relação do indivíduo com o mundo, através de como o corpo é sentido e percebido. Trata-se de um processo de constante dinamismo e mutação, e influencia as relações da pessoa consigo própria, com o ambiente e seus semelhantes.

Schilder (citado por Prado, 2002) afirma que a imagem corporal não existe isoladamente e que está diretamente relacionada à visão da sociedade em que a pessoa está inserida. A constituição da imagem do corpo, segundo a autora, é realizada através da incorporação da parte do corpo de outras pessoas e, desta forma, ao longo da vida a pessoa cria, destrói e reorganiza a sua imagem corporal a partir da imitação e observação de outras pessoas.

A perda da mama, parte do corpo fundamental para a identidade feminina, resulta na alteração negativa da imagem corporal. A retirada desse órgão representa uma limitação estética e funcional, que provoca uma imediata repercussão física e psíquica, constituindo um evento traumático para a maioria das mulheres, trazendo prejuízo em sua qualidade de vida, na satisfação sexual e recreativa. Além da cirurgia, o tratamento quimioterápico produz efeitos colaterais que são indicadores visíveis da doença, como alopécia ou perda do cabelo e ganho de peso. A mulher pode, então, se sentir estranha, manifestar sentimentos de vergonha, embaraço, ter dificuldade de se relacionar com o marido, se sentindo sexualmente repulsiva, passando a evitar contatos sexuais. Um medo muito freqüente entre as mulheres mastectomizadas é o de não ser mais atraente sexualmente. Esses conflitos são resolvidos quando a mulher é capaz de reconhecer-se e aceitar-se em sua nova imagem. Para isso, é fundamental viver um processo de luto para elaborar essa perda. (Arán et al., 1996; Huguet, 2005).

Lim (citado por Duarte & Andrade, 2002) observou em um estudo realizado em Cingapura com 20 mulheres mastectomizadas que, dentre a totalidade das participantes, 9 apresentaram problemas no relacionamento conjugal, como a diminuição na freqüência de relações sexuais. Houve também mudanças no comportamento sexual, em que as mulheres evitavam se despir diante dos parceiros e serem tocadas pelos mesmos. A utilização de camisas durante as relações sexuais também foram relatadas pelas pacientes. Algumas mulheres relataram ainda, que ao retomar a sua vida sexual, sentiram muita diferença e tinham medo do marido não aceitá-las mais.

Contudo o autor afirma que a mastectomia não é a única causa dessa sensação de desconforto relatada pelas pacientes. Segundo Lim há outros fatores, antecedentes ao diagnóstico, que podem influenciar e intensificar o quadro de desconforto para a mulher acometida, como problemas financeiros, sociais, conjugais, idade da paciente, sua forma de lidar com situações adversas e também a falta de informação sobre a doença e suas conseqüências. (op cit.).

Dentre as causas físicas associadas à evitação do intercurso sexual encontram-se a secura e atrofia vaiginais, fogachos e declínio da libido, que podem estar associados ao tratamento antiestrogênico. Porém, o tratamento desses sintomas melhora o desempenho sexual. (op cit.).

Duarte e Andrade (2002) verificaram que a reciprocidade da relação sexual depende da mulher, ou seja, se ela torna-se mais receptiva, o companheiro tende a aproximar-se mais dela e o relacionamento torna-se melhor. Segundo Rossi e Santos (citados por Sampaio, 2006) o relacionamento sexual depende muito de como era antes da doença. Aquelas mulheres com bom relacionamento com o parceiro tendem a continuar da mesma forma, mas aquelas que o relacionamento não era bom, relatam piora.

Huguet (2005) confirma esse raciocínio. Segundo a autora, mulheres com melhores relacionamentos reportam nos estudos menor índice de disfunção sexual e maior satisfação após o tratamento, quando comparadas àquelas que têm relacionamentos insatisfatórios. Dessa forma, a qualidade dos relacionamentos afetivos das mulheres com seus parceiros, antes do diagnóstico da doença, parece ser um fator de forte influência na qualidade de vida após o diagnóstico e mutilação. Segundo Padua (2006), muitos relacionamentos conjugais se desfazem em conseqüência da doença, pela falta de um diálogo aberto e satisfatório entre o casal. Assim, relacionamentos considerados frágeis antes da doença dificilmente sobrevivem após um evento traumático.

A qualidade do relacionamento existente entre o casal será responsável não só pelo alcance e a manutenção da estabilidade emocional da mulher, mas também pelo retorno do interesse sexual numa fase mais tranqüila da doença. Assim, após a cirurgia e com a estabilidade da doença, o casal volta a interessar-se pela vida sexual e começa a se preocupar com o relacionamento sexual de ambos. Buscam maior intimidade, trocas de carícias, prazer e novas formas de adaptação às condições atuais da mulher a fim de tornar o relacionamento sexual mais agradável, confortável e prazeroso. (Padua, 2006).

Um estudo realizado na Escola de Enfermagem da USP de Ribeirão Preto destaca que os casais retornam à atividade sexual em menos de um ano e que o homem além de revelar-se participativo, não tem alteração quanto ao seu desejo sexual, mesmo após a retirada da mama de sua parceira. No momento de intimidade fazem sexo praticando nudez e costumam tocar a mama operada. O resultado desta pesquisa concluiu que o câncer por si só não altera a sexualidade do casal. Tudo depende do relacionamento pré-existente entre ambos. (op cit.).

A reconstrução da mama



Reconstruir a mama pode representar a preservação da auto-imagem da mulher, melhor qualidade de vida, e portanto, um processo de reabilitação menos traumático. Inúmeros recursos de cirurgia plástica estão à disposição para amenizar os sentimentos pela alteração física provocada pela mastectomia. (Messa, s.d.; Prado, 2002).

A reconstrução pode ser realizada logo após a cirurgia ou em outro momento, de acordo com a indicação médica. Há várias técnicas que podem ser empregadas, sendo necessário uma escolha apropriada dependendo de cada caso. Pode ser um implante artificial de silicone, solução salina ou reconstituição com retalhos dos músculos abdominal ou grande dorsal. A reabilitação tem como principal objetivo a melhoria da qualidade de vida da paciente, atendendo às suas necessidades específicas, com medidas que visem a restauração anatômica e funcional, além do suporte físico e emocional. (Prado, 2002).

Para tal, a paciente deve estar informada sobre os riscos e benefícios obtidos, além de opinar e participar do processo de decisão. A cirurgia de reconstrução deve ser buscado por motivação pessoal, ou seja, para sua satisfação própria, e não para agradar ou satisfazer os outros. (Messa, s.d.). Segundo Melo (2002) é incerta a porcentagem de mulheres mastectomizadas que têm a intenção de procurar a reconstrução, mas este método na pós-mastectomia continua a ser uma importante opção estética e de reabilitação. A maioria das mulheres que procuraram a reconstrução sentiram-se felizes com os resultados estéticos, superando suas expectativas. (op cit.).

Já pesquisas com mulheres submetidas à reconstrução imediata têm demonstrado que além da satisfação estética devido aos resultados cirúrgicos, o índice de morbidade psicológica é significativamente inferior em relação à mastectomia somente. As pacientes então submetidas à reconstrução imediata demonstraram-se menos deprimidas e sofreram menor impacto quanto a sua feminilidade, auto-estima e atratividade sexual, em relação as outras não submetidas a reconstrução e as que optaram por reconstrução tardia. (Rowland & Massie, citados por Melo, 2002).

Um estudo realizado por Al-Ghazal et al. (citado por Maluf et al., 2005) constatou que 68% das pacientes submetidas à reconstrução imediata disseram-se muito satisfeitas com o resultado estético da cirurgia, e quando comparadas com grupo de reconstrução tardia, notou-se no segundo grupo, um grande nível de sofrimento psíquico e rebaixamento das funções psíquicas aliados a uma baixa auto-imagem. Os estudos mostram que a intervenção imediata possui vantagens relacionadas a um melhor resultado estético e custo benefício para as mulheres que a realizaram imediatamente após a cirurgia.

Dessa forma, parece que a reconstrução mamária melhora a auto-imagem, o senso de feminilidade e o relacionamento sexual. As mulheres que passaram pela cirurgia reparadora tendem a expressar atitudes positivas e satisfação com a aparência, além de menor temor da recidiva com a remoção da cicatriz. (Vianna, 2004).

Assim, atualmente, a reconstrução mamária é um recurso indispensável na reabilitação de pacientes que necessitam realizar a mastectomia, uma vez que auxilia quanto aos aspectos aqui relacionados.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



Arán, M.R.; Zahar, S.; Delgado, P.G.G.; Souza, C.M.; Cabral, C.P.S. & Viegas, M. (1996). Representações de pacientes mastectomizadas sobre doença e mutilação e seu impacto no diagnóstico precoce do câncer de mama. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. 45 (11), 633-639.

Bergamasco, R.B. & Angelo, M. (2001). O sofrimento de descobrir-se com câncer de mama: como o diagnóstico é experenciado pela mulher. Revista Brasileira de Cancerologia. 47 (3), 277-282.

Bervian, P.I. & Girardon-Perlini, N.M.O. (2006). A família (com)vivendo com a mulher/mãe após a mastectomia. Revista Brasileira de Cancerologia. 52 (2), 121-128.

Cunha, C.G. (2004). Apoio familiar: presença incondicional à mulher mastectomizada. Monografia Especialização Residência em Saúde da Família, Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral, Ceará. Acesso em 26/10/06. Disponível em http://www.sobral.ce.gov.br/saudedafamilia/

Duarte, T.P. & Andrade, A.N. (2002). Enfrentando a mastectomia: análise dos relatos de mulheres mastectomizadas sobre questões ligadas à sexualidade. Acesso em 15/09/06. Disponível em http://www.scielo.br/

Ferreira, M.L.S.M. & Mamede, M.V. (2002). Representação do corpo na relação consigo mesma após mastectomia. Acesso em 25/09/06. Disponível em http://www.scielo.br/

Maluf, M.F.M.; Jo Mori, L. & Barros, A.C.S.D. (2005). O impacto psicológico do câncer de mama. Revista Brasileira de Cancerologia. 51 (2), 149-154.

Melo, A.G.C. (2002). Câncer de mama: aspectos psicológicos e adaptação psicossocial. Acesso em 25/11/06. Disponível em http://www.cuidadospaliativos.com.br/

Melo, E.M.; Silva, R.M. & Fernandes, A.F.C. (2005). O relacionamento familiar após a mastectomia: um enfoque no modo de interdependência de Roy. Revista Brasileira de Cancerologia. 51 (3), 219-225.

Messa, A.A. (s. d.). Análise de repercussões psicológicas de paciente mastectomizada, em seguimento ambulatorial. Acesso em 30/09/06. Disponível em http://www.psicologia.org.br/internacional/pscl16.htm

Miceli, A.V.P. Aspectos psicológicos do paciente com câncer. In E.L.R. Mello & C.E.R. Santos. (2006). Manual de cirurgia oncológica. São Paulo: Tecmedd Editora.

Netto, M.M. (1997). O tratamento do câncer de mama e a psicologia: um enfoque multidisciplinar. Psychê. 1 (1), 165-168.

Prado, J.A.F.A. (2002). Supervivência: novos sentidos na vida após a mastectomia. Tese de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina. Acesso em 15.12.06. Disponível em http://www.tede.ufsc.br/teses/PPSI0076.pdf

Sales, C.A.C.C.; Paiva, L.; Scandiuzzi, D. & Anjos, A.C.Y. (2001). Qualidade de vida de mulheres tratadas de câncer de mama: funcionamento social. Revista Brasileira de Cancerologia. 47 (3), 263-72.

Sampaio, A.C.P. (2006). Mulheres com câncer de mama: análise funcional do comportamento pós-mastectomia. Tese de Mestrado, Universidade Católica de Campinas. Acesso em 18.10.06. Disponível em http://dominiopublico.mec.gov/download/texto/cp000360.pdf

Vianna, A.M.S.A. (2004). Avaliação psicológica de pacientes em reconstrução de mama: um estudo piloto [Versão eletrônica]. Estudos de Psicologia. (21) 3. Acesso em 26.03.07. Disponível em http://www.scielo.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário