terça-feira, 31 de maio de 2011

A Influência da Família na Aquisição de Modelos Agressivos pelas Crianças



Eraldo C. Batista, Benedito A. Oliveira e Simone L. Pires

Muito legal esse artigo... estou compartilhando!!!!

Resumo: O objetivo deste estudo é investigar as relações entre a dinâmica familiar e o comportamento anti-social de 12 crianças de uma escola da rede pública municipal de uma cidade do interior do Estado de Rondônia. Utilizando-se de instrumentos que avaliam as práticas educativas usadas pelos pais para com os filhos e a percepção da criança frente ao suporte familiar recebido, o trabalho busca analisar a influência da família no comportamento da criança. Os resultados gerais encontrados apontam para uma correlação entre o comportamento agressivo destas crianças e o ambiente familiar ao qual fazem parte. Assim, o estudo conclui que estas famílias por meio de sua constelação e de suas práticas educativas configuram-se como espaço gerador de modelos agressivos. As considerações finais sinalizam a necessidade de futuros estudos para expandir a compreensão do comportamento agressivo e sua relação com a violência familiar.

Palavras-Chave: Comportamento agressivo; violência familiar; criança; estilos parentais; práticas educativas.

The Influence Of The Family In The Acquisition Of Aggressive Models By The Children.

Abstract: This study aimed to investigate the relationship between the family dynamics and anti-social behavior of twelve children at a municipal public school network in a provincial city of Rondônia. Using instruments that evaluate the educational practices used by parents with their children and the child`s perception facing the family support, the study sought to analyze the influence of the family on the behavior of the child. The results point towards a general correlation between the aggressive behavior of these children and their family environment which the children belongs. Thus, the study concludes that these families through their behavior and their educational practices are configured as a generator of an aggressive environment models. Final considerations point to the need for further research to expand understanding of aggressive behavior and its relationship with family violence. Keywords: Aggressive behavior, family violence; child, parenting styles, educational practices.

Introdução

Nas definições antropológicas, o foco de interesse do estudo acerca das famílias consiste na estrutura das suas relações Berenstein (1988), ou seja, no grau e na natureza do parentesco. De acordo com o autor, a estrutura elementar de parentesco inclui três tipos de vínculos: o consanguíneo (entre irmãos), de aliança (marido e esposa) e de filiação (pais e filhos). Para Antoni & Koller (2000), o grupo familiar tem sua definição psicológica como um conjunto de relações. Desta forma, a família pode ser vista como totalidade, sistema ou grupo formado por pessoas que se relacionam entre si, por parentesco e/ou por se considerarem pertencentes àquele contexto.

Assim, o objetivo deste estudo é abordar os principais aspectos referentes ao comportamento da família frente às condutas agressivas da criança, enfatizando a importância da interação parental e as práticas educativas utilizadas como modelos pelos pais sobre o desenvolvimento comportamental da criança, privilegiando uma perspectiva essencialmente psicológica. Num primeiro momento, discutem-se as consequências negativas da violência vivida na família sobre o desenvolvimento biopsicossocial da criança. Em seguida, apresentam-se alguns estudos que fundamenta a influência da família na aquisição de modelos agressivos pelas crianças, tal como Bandura (2008) que define que o comportamento agressivo da criança é resultado da agressão modelada e reforçada pela família. Partindo dessa premissa, entende-se que a pesquisa sobre agressividade no contexto familiar é importante, pois dá maior visibilidade sobre a questão e fornece melhores informações.

Considerando que a agressão vivenciada no âmbito familiar pode interferir no comportamento da criança, Lisboa & Koller, (2001) assina que a escola é um exemplo de microssistema ecológico no qual a agressividade prejudica o desempenho acadêmico e o estabelecimento de relações saudáveis e próximas. Assim, entende-se que uma das possíveis soluções para a redução da agressividade da criança no espaço escolar consiste em entender o seu próprio universo.

1. A Violência No Ambiente Familiar

Por ser o primeiro sistema no qual o individuo interage, a família consiste num micro-sistema onde cada membro tem uma posição e um papel socialmente definido, que reflete sua organização estrutural e funcional Gomes et al 2007. O que nos remete que a família é responsável pela sobrevivência física e psíquica da criança. Porém, nem sempre essa imagem de proteção cumpre sua função. O interior da família, lugar mitificado em sua função de cuidado e proteção, pode ser palco de muitas violências.

O fenômeno da violência familiar é, infelizmente, universal, favorecendo condições de riscos psicossociais para a família. Como afirma Milani & Loureiro (2008), a violência no contexto familiar constitui um fenômeno complexo, que envolve questões como a desigualdade social e prejuízos na qualidade de vida que atingem as famílias com comprometimento nas relações intrafamiliares e é evidenciado pelo abuso de poder.

Existem várias definições de violência familiar. Para Koller (1999), todo ato de violência tem em comum o fato de ser caracterizado por “ações e, ou omissões que podem cessar, impedir, deter ou retardar o desenvolvimento pleno dos seres humanos”. De acordo com a autora existem três papéis no ato da violência, que podem ser confundidos, mesclados ou não: o papel de vítima, o de autor e o de testemunha. Considerando que todo ato de violência é sempre evidenciado pelo abuso de poder, Eisenstein & Souza (1993), afirmam que a violência pode ser observada como toda ação danosa à vida e à saúde do indivíduo, caracterizada por maus-tratos, cerceamento da liberdade ou imposição da força. Ou seja, a criança, por sua maior vulnerabilidade e dependência, se torna vítima freqüente de atos abusivos.

Corroborando esta afirmação Bock, Furtado & Teixeira (2002) postulam que a família, é, em muitos casos, um mito, pois muitas crianças sofrem ali suas primeiras experiências de violência: a tortura psicológica, a agressão física, o abuso sexual entre outras menos visíveis, porém tão danosa quanto. A violência da qual a criança pode ser vítima, ocorre de duas maneiras, como define Brancalhone (2003): a criança como parte integrante da família, pode estar exposta à agressão direta - quando ela é o alvo da agressão - ou indireta - quando presencia cenas de violência entre os pais.

A violência familiar é um problema social grave que atinge toda a população e precisa ser estudada sob múltiplos enfoques. Para alguns pesquisadores é possível inferir que as várias modalidades de violência ocorridas no ambiente familiar podem ser responsáveis por grande parte dos atos violentos. Ou seja, a violência familiar tem sido associada com agressividade infantil e delinqüência. Bandura (2008) assina que no caso de respostas agressivas as crianças imitam o tipo de relacionamento mantido com o modelo adulto e que a mera observação de modelos agressivos parece ser condição suficiente para produzir respostas imitativas de agressão. Ou seja, a observação de atos agressivos na família pode ser imitada pela criança no seu cotidiano.

O comportamento agressivo é definido como toda ação que causa ou implica danos ou prejuízos a alguém e é expresso de forma confrontativa e/ou não-confrontativa. (Lisboa & Koller, 2001). Crianças agressivas expressam suas dificuldades de interação e adaptação através de seus comportamentos.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o comportamento agressivo encontra-se, inserido no quadro de transtornos de conduta, que é caracterizado por um padrão persistente de comportamento que viola os direitos básicos dos outros e as normas ou regras sociais importantes e apropriadas à idade (American Psychiatric Association, 2003). Estudo realizado por Corrêa e Williams (2000), sobre o impacto da violência conjugal na saúde mental das crianças, concluiu que havia altos índices de depressão, agressividade, isolamento e baixa autoestima em crianças que presenciaram atos violentos entre os pais.

1.1. A Agressividade Aprendida Através Da Modelação

Assim como a violência, os conceitos de agressão e agressividade envolvem múltiplos enfoques e direcionamentos. Stith (1993) citado por Meneghel, Giugliani & Falceto (1998), assina que, a agressividade entre crianças e adolescentes parece estar aumentando, porém este comportamento pode ser resultado de uma conduta menos repressiva em relação a este fenômeno. Por outro lado, as crianças podem estar mais agressivas como resposta à violência estrutural da sociedade.

A teoria social da aprendizagem (Bandura, 1973) é de grande importância para a compreensão da agressividade humana na medida em que focaliza o papel do ambiente social na aquisição, manutenção e modificação das respostas agressivas. De acordo com Bandura, Azzi, Polydoro & cols, (2008), as principais fontes de estilos de comportamento agressivo na sociedade moderna são a agressão modelada e reforçada pela família, onde o sujeito: 1. Aprende um estilo de conduta agressivo; 2. Alteram suas restrições sobre comportamento agressivo; 3. Torna-se insensível e habituado com a violência. Ou seja, a agressividade aprendida através da modelação. Bandura (2008) postula que quando adquirimos novos comportamentos em decorrência da imitação de pautas de conduta a partir de modelos, falamos em modelação. Assim, entende por modelação: o processo de aquisição de comportamentos a partir de modelos seja este programado ou incidental. Também se nomeia como modelação a técnica de modificação de comportamento com o uso de modelos. (Bandura, 1965a, 1972, 2008).

Quando os pais ferem-se mutuamente, a ansiedade dos filhos é esmagadora, eles podem desenvolver um padrão crescentemente agressivo em suas relações familiares, escolares e sociais (Wolff, 1985 apud Meneghel, Giugliani & Falceto1998).

Para (Bandura & Huston 1961, Bandura, Azzi, Polydoro & cols, 2008), a maior parte do repertório de socialização do indivíduo é adquirida por meio da “identificação com adultos significativos na vida da criança”. Ainda de acordo com o autor, pesquisas evidenciaram que a exposição a modelos agressivos pode: a) aumentar a probabilidade de imitação de comportamento agressivo; b) aumentar a imitação de respostas verbais não agressivas, emitidas pelo modelo agressivo; c) levar à imitação do comportamento agressivo, mesmo na ausência de desempenho durante a observação, sem reforçamento adicional do observador, e mesmo quando o modelo não fora reforçado ao exibir as respostas agressivas.

Instrumento

Para a coleta dos dados foi utilizada a Escala de Percepção por Professores dos Comportamentos Agressivos de Crianças na Escola (Lisboa & Koller, 2001). A escala é constituída de 41 itens que avaliam o comportamento da criança, medindo sua agressividade na escola. Cada item representa uma afirmação, sendo que a resposta deve ser dada pelo professor em uma escala do tipo Likert de 5 pontos - onde 1 corresponde a discordo totalmente, e 5 corresponde à resposta concordo totalmente.

Utilizou-se também uma entrevista semi-estruturada com as famílias para levantamento de dados contendo itens de caracterização (perfil sócio-demográfico: sexo, classe social, idade, bairro), relacionamento e dinâmica familiar.

Após a entrevista foi aplicado o Inventário de Estilos Parentais (IEP). O objetivo deste instrumento é estudar a maneira utilizada pelos pais na educação de seus filhos. O Inventário de Estilos Parentais (IEP) é composto por 42 questões que correspondem ás setes práticas educativas, cinco delas vinculada ao desenvolvimento do comportamento anti-social: negligência, abuso físico, disciplina relaxada, punição inconsistente e monitoria negativa, e duas que promovem comportamentos pró - sociais: monitoramento positivo e comportamento moral. Cada questão consta de uma frase à qual o respondente deve indicar a frequência com que a figura materna/paterna age.

E para finalizar aplicou-se o Inventário de Percepção de Suporte Familiar – IPSF. O instrumento é constituído de 42 questões distribuídas em três fatores sendo eles:

■Afetivo-Consistente: esse fator contém vinte e um itens e evidencia as relações afetivas positivas intrafamiliares, desde o interesse pelo outro, até a expressão verbal e não-verbal de carinho, clareza nos papéis e regras dos integrantes da família, bem como habilidade nas estratégias de enfrentamento de situações-problema;
■Adaptação Familiar: esse fator é composto de treze itens que expressam sentimentos negativos em relação à família, como isolamento, exclusão, raiva, vergonha, relações agressivas de brigas e gritos, irritação, incompreensão, e ainda percepção de relações de competição na família, interesse e culpabilidade entre os membros em situações de conflitos;
■Autonomia Familiar: Composto por oito itens demonstra a percepção de autonomia que a criança tem de sua família, o que denota relações de confiança, privacidade e liberdade entre os membros da família. O Inventário de Percepção de Suporte Familiar – IPSF tem como objetivo avaliar as características da família, bem como os tipos de suporte existentes.
A Família

Com relação às famílias participantes da pesquisa percebe-se que a relação intrafamiliar é complexa, pois a falta de comunicação, somada à dificuldade para resolver problemas em conjunto são fatores negativos na criação dos seus filhos. Um dos desafios encontrado neste estudo foi a resistência da família em abordar assuntos que diz respeito à convivência entre seus membros e as práticas educativas utilizadas pelos pais para com seus filhos, uma vez que algumas dessas famílias já foram convocadas ao conselho tutelar para darem explicações sobre denúncias de negligências e maus tratos com os filhos. Em algumas dessas famílias foram detectado problemas com alcoolismos, vícios em jogatina e problemas com a justiça. Fatores que também contribuem para a mudança de comportamento intrafamiliares.

Estudos confirmam que crescer em uma família que possui um alcoólatra é sempre um desafio, principalmente quando falamos do contato direto de crianças com esta realidade. Portanto, pode-se inferir que para estas existe maior chance para o desenvolvimento de transtorno de conduta e dificuldades de entrosamento com outros colegas e pessoas da sociedade.

Considerações FinaisOs resultados apresentados confirmaram os resultados do estudo comparativo de Maldonado & Williams (2005) sobre os efeitos da violência familiar sobre o comportamento das crianças. Neste os autores concluíram que houve maior incidência de severidade de exposição à violência familiar nas crianças do sexo masculino que apresentaram comportamento agressivo na escola, quando comparadas às crianças do mesmo sexo que não apresentam tal comportamento.

Também evidencia o que a literatura especializada postula, de que as principais fontes de estilos de comportamento agressivo na criança são a agressão modelada e reforçada pela família (Bandura, 2008). Ou seja, o comportamento agressivo apresentado pela criança no contexto escolar pode ser considerado reflexos, reprodução ou até mesmo devolução da violência sofrida no ambiente familiar da qual a criança é a primeira vítima. Onde a maioria está exposta a fatores de risco e parece não apresentar rede protetora suficiente para minimizar esses efeitos.

Nesse sentido faz se necessário, portanto, a reestruturação da família fundamentada em relações mais simétricas entre pais e filhos, que possibilite mudança nos comportamentos não só da criança mais em toda a família. “A tolerância às diferenças, as trocas permitidas, respeitando os limites, e os papéis de cada membro do grupo, representa o forte vínculo que torna a família o sustentáculo emocional do ser humano” (Day at. al 2003). Todos os esforços que permitam o reforço deste espaço de entendimento irão contribuir para um bom desenvolvimento biopsicossocial da criança. Bowlby (2002) defende que as crianças necessitam de um ambiente de afeto que lhes favoreça segurança para viabilizar e garantir um desenvolvimento saudável.

Considerando-se os aspectos acima mencionados a respeito da importância da família para o desenvolvimento da criança, bem como a questão do ciclo de vida familiar, pode-se dizer que as experiências vivenciadas pela criança, tanto no contexto familiar quanto em outros ambientes nos quais ela está inserida, contribuem diretamente para a sua formação possibilitando um aprendizado essencial para a sua atuação futura.

Por essas razões, torna-se necessário o investimento em programas de orientação para estes pais e/ou responsáveis com a finalidade de instrumentalizá-los para poderem lidar de forma mais adequada com seus filhos, auxiliando-os a fornecer orientações mais precisas que sirvam de referência para as crianças. Assim, estes, por sua vez, podem ver os pais como modelos positivos ao qual podem recorrer diante das dificuldades de ajustamento que enfrentam.

Embora os resultados apontem para uma correlação entre o comportamento anti-social da criança e o modelo familiar ao qual ela faz parte, vale ressaltar que esse fator não pode ser considerado isolado, uma vez que outras fontes geradoras de violência podem influenciar diretamente na má conduta destas crianças. A precária condição sócio-econômica, o contexto escolar onde muitas vezes o aluno pode usar a agressão como um recurso contra o autoritarismo do professor, o meio social e cultural e o preconceito recebido por elas, são fatores causadores potenciais das agressões em suas vidas, onde a desigualdade social, por si só, já é agressiva, e não oferece oportunidades a estas crianças.

Nesse sentido torna-se importante trazer para discussão e comparação dados de pesquisa com crianças de diferentes classes sociais sobre comportamento agressivo e violência familiar, já que os sujeitos participantes deste estudo fazem parte de uma população imersa em uma série de fatores que colaboram para a ocorrência de violência em maior escala.

FONTE: http://artigos.psicologado.com/psicologia-geral/desenvolvimento-humano/a-influencia-da-familia-na-aquisicao-de-modelos-agressivos-pelas-criancas

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