sábado, 2 de abril de 2011

a Síndrome do Pânico e Gestalt Terapia





Última parte do artigo de especialização em Psicoterapia em Gestalt terapia do Psicólogo Luciano da Rocha Fogaça.

Configuração do ajustamento neurótico do caso X

A queixa inicial partiu da simulação de um caso real através de um caso clínico hipotético, relativo à prática psicológica clínica/hospitalar.
A paciente do caso hipotético foi encaminhada pelo médico plantonista, pois estaria apresentando um quadro de depressão pós-parto, uma vez que já fazia 40 dias que tivera seu filho e durante esse tempo apresentava diversas crises, demonstrando ansiedade, medo, chegando em determinado momento a querer arremessar o filho no chão (segundo o olhar do médico a mãe queria matar o filho).
Portanto, para o médico plantonista, a referida paciente apresentava sintomas compatíveis com diagnóstico de depressão pós-parto, diagnóstico este que foi aceito pela paciente, tanto é que no primeiro atendimento se referiu a “doença”, caracterizando assim como queixa inicial depressão pós-parto.
Porém, no segundo atendimento, desta vez fora da realidade hospitalar e sim iniciando um trabalho num ambiente terapêutico livres de diagnósticos “padrões”, passou a falar de sua história, referindo-se a muitas situações de medo, relatando as seguintes dificuldades: sempre foi uma pessoa insegura, tinha medo de realizar diversos tipos de atividades ou de fazer escolhas sem que a mãe participasse, sofria de intensa apreensão, temor, convivia com sintomas tais como falta de ar, palpitações, dor ou desconfortos toráxicos, sensação de sufocamento e medo de enlouquecer ou de perder o controle, o que, segundo um olhar comportamental ou da medicina tradicional apresentaria sintomas compatíveis com transtorno de pânico.
Desta forma, a paciente trazia para sessão como queixa inicial tanto a dificuldade de cuidar de seu filho quanto os sintomas supracitados, buscando como demanda inicial o entendimento de que doença apresentava? “depressão pós-parto” ou “transtorno de pânico” e também um pedido de “ajuda” (repetição da sua forma junto a mãe) para se livrar desses sintomas.
Em função do pedido de ajuda indiretamente feito a mim, não poderia ser diferente meu sentimento, senão de estar sendo colocado como cuidador, apresentando assim um ajustamento retroflexivo, repetindo assim na sessão a forma apresentada na relação com a mãe.
Frente ao que se apresentava, deu-se a necessidade de efetuar um desvio, olhando para esse caso como um ajustamento criativo, frente às vivencias passadas, fundos foram sendo construídos, possibilitando que a paciente se ajustasse criativamente da forma que se apresentara.
Para o autor Jean-marie Robine (ROBINE, 2006, pag. 52), o ajustamento criativo é como “um processo que leva as necessidades do organismo e os estímulos do ambiente a interagir. A necessidade do organismo busca um objeto, busca uma resposta do ambiente”.
Delineando assim meu trabalho (contrato, objeto do contato), iniciei pontuando que passaria a ser tratada como cliente (e não mais paciente, já que não estava mais atendendo no ambiente hospitalar, e sim na clínica, passando a denominar de cliente, já que não a trataria como uma pessoa doente, e sim olharia para aqueles sintomas como uma forma de se ajustar ao meio, ao campo em que está inserida), suas formas, repetições e ajustamentos criativos que foram necessários em um determinado momento, porém que no aqui-agora poderiam esta interditando ou boicotando seu crescimento e amadurecimento natural.
Durante os atendimentos, diversos ajustamentos se apresentaram, como no início que deixou nas entrelinhas um pedido de ajuda (ajustamento retroflexivo) ou quando em determinado momento perguntou o que deveria fazer (confluência), ou ainda quando se apresentara como coitadinha (introjeção) e também quando disse que não precisava mais vir as sessões, pois sabia tudo o que fazer (egotismo).
Porém, na sessão seguinte retornou apresentando muitas dificuldades, medos e frustrações (retroflexão), e assim por algumas sessões foram se desenrolando os atendimentos, mas em caminho de assimilação e crescimento, experimentando situações novas, como diversos experimentos vividos no set terapêutico como também no campo organismo/ambiente.
Quanto ao experimento, segundo Robine (ROBINE, 2006, pag. 56), trata-se:

“a criação é ligada a novidade: é a descoberta de uma nova solução, a criação de uma nova configuração, de uma nova integração a partir dos dados presentes. Ajustamentos e criação aparecem como dois pólos complementares de um processo, cada um deles é necessário ao outro para que se mantenha um equilíbrio saudável e dinâmico”.


Já para MÜLLER GRANZOTTO (MULLER-GRANZOTTO, 2007, pag. 348/349), experimento é:

“O clínico desafiando a função de ego do consulente a “ escolher”, a “ deliberar”, enfim a “ criar” campos de presença ou é a opção pelo risco, pela criação do inédito”.


Acredito eu, que o experimento leva a consulente ao crescimento e inovação, razão pela qual por diversas vezes a instiguei como forma de experimento a se aventurar ao novo, simulando no set terapêutico ou reabilitando a função de ego através dos experimentos, levando a criação como nos exemplos seguintes:
No consultório, nas sessões que tivemos, estimulei-a a sentir como seria cuidar de seu bebê sem a mãe ou sem pedir ajuda a seu esposo. Estimulei também a assumir a responsabilidade dos seus desejos e sonhos, independentemente do que sua mãe achasse melhor.
Depois de ter vivenciado todas essas situações no consultório, tentar implantar na sua realidade ciente de que a angústia gerada nesse momento não é sinônimo de fracasso, e sim reagente do enfrentamento do novo, que com assimilação das novas vivências se dissipara com as experiências vividas, assim ela o fez, rumando ao novo e ao crescimento, se permitindo se individualizar e perceber que poderia viver independentemente da proteção da sua mãe.

3.2 Os fantasmas trabalhados

Os fantasmas trabalhados com a paciente, nas sessões realizadas, foram os seguintes:

 Será que consigo cuidar do meu filho
 Tenho medo de sair de casa
 Tenho medo de perder meu marido
 Tenho medo deixar minha mãe triste quando saio de casa
 Tenho medo de sair de casa sem minha mãe e não saber cuidar da minha filha
 Medo da apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso - TCC
 Medo de ir atrás de um emprego
 Medo de conversas sobre as coisas que acha que ele faz errado
 Medo de morrer
 Medo de matar minha filha
 Medo de deixar minha filha cair, passar fome ou afogar ela na amamentação


4- A importância das relações do aqui e agora


Muller Granzotto, no artigo GESTALTÊS^MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-GRANZOTTO, 2007. Verbete "Aqui-Agora", menciona que na obra ego, fome e agressão Frederick Perls não fala sobre aqui-agora, porém critica as práticas psicanalíticas que fazem do passado causa dos problemas presentes. Portanto, naquela época, Perls já pensava de uma maneira em que o passado só era relevante quando este se manifestava ou se fazia sentir presente.
Ainda, segundo Muller Granzotto, é só na obra Gestalt Terapia (PHG,1997, p. 51) que a expressão ‘aqui-agora’ ganha seu formato definitivo. Os autores acrescentam à forma como Perls concebia, que a integração das dimensões temporais no presente é uma leitura fenomenológica, explicitamente fundamentada no modo como o filósofo Edmund Husserl propunha a noção de “campo de presença”, de que a noção de “aqui e agora” é uma versão.
Segundo Muller Granzotto:


“O termo ‘aqui e agora’ é aplicado na Gestalt-terapia tanto para exprimir o caráter temporal do sistema self e das vivências de contato nele estabelecidas, quanto para designar um “estilo” de intervenção clínica adotado pelos gestalt-terapeutas e cujo propósito é promover a “concentração” do consulente no modo “como” este, na atualidade da sessão, opera com isso que, para ele, é passado ou futuro. Os dois empregos estão intimamente relacionados, a ponto de podermos dizer que constituem a mesma noção” (GESTALTÊS^MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-GRANZOTTO, 2007. Verbete "Aqui-Agora)



A Gestalt-terapia enfatiza o aqui e agora, importando-se com eventos do passado apenas quando estes ainda são presentes, quando continuam interferindo nas emoções, percepções e ações do indivíduo, perturbando a formação de novas figuras ou interrompendo o processo de contatar.
Portanto, para os gestaltistas, mais importante do que compreender a teoria das causas da neurose, é a conscientização do indivíduo do que ele está vivendo, experienciando no presente; de que forma ele está percebendo os fatos. Um dos reflexos disso é o fato do indivíduo responsabilizar-se mais pelos seus estados emocionais, comportamentos e/ou suas dificuldades adaptativas no presente, podendo atuar de forma diferente e mais eficiente no sentido de se ajustar ao campo/organismo meio.
Assim, para Gestalt, mais importante do que os porquês (localizados no passado) é a forma como um evento passado se manifesta no presente, como ele é sentido e vivenciado pelo indivíduo no aqui e agora.
Muller Granzotto, Perls, Hefferline e Goodman utilizam a expressão ‘aqui e agora’ para elucidar essa unidade de passagem que é o “campo de presença”. Ainda segundo os autores, com aquela expressão, PHG não quer se referir a um determinado instante ou lugar, mas ao fato de que, em cada instante e lugar somos trespassados por uma história que nos lança ao futuro e, consequentemente, àquilo que vem nos surpreender. Cada ‘aqui e agora’ é mais do que uma posição determinada. Trata-se de um campo temporal ou, o que é a mesma coisa: campo de presença do já vivido como horizonte de futuro para a materialidade da relação organismo/meio. No interior de cada ‘aqui e agora’, operamos o “contato”, que é justamente essa reedição criativa (ou ajustamento criativo) do passado frente às possibilidades abertas pela atualidade do dado. (GESTALTÊS^MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-GRANZOTTO, 2007. Verbete "Aqui-Agora").

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS


Nas considerações finais não poderia deixar de me referir ao título do presente artigo “A cara sombria da inibição reprimida: O PÂNICO”, e inicialmente o porque “Pânico, porque socialmente esse termo “Pânico” se institucionalizou, se difundiu mundo fora se tornando uma “doença” da moda, juntando-se como tantas outras e até ganhando status de transtorno, tendo até sido incluído no Manual de diagnósticos e estatísticas de transtornos mentais”( DSM-IV-TR) e também na classificação internacional de doenças (CID 10), fazendo parte dessa padronização, que alguns segmentos da saúde e da sociedade tentam incluir as pessoas, abrindo mão assim da riqueza que é lidar com as diferenças que existem entre todas as pessoas, portanto quis contrapor essa idéia, oferecendo um outro olhar, um olhar gestáltico a essa dinâmica.
E a cara sombria da inibição reprimida? Sombria sim, porque apesar de percebemos o ajustamento criativo ou a neurose e seus ajustamentos como uma resposta do organismo ao dado apresentado pelo campo organismo/ambiente, é sobretudo, também, limitador, frustra o crescimento, a ida ao desconhecido, ao novo.
Portanto, neste artigo tentei mostrar um olhar gestáltico frentes às “patologias” sugeridas por outras correntes, no caso específico, a “patologia pânico”.
O transtorno de pânico era analisado por diferentes abordagens psicológicas, havendo explicações diversas para as suas causas e propostas diferentes de intervenções psicoterápicas, porém senti a necessidade de produzir também um material com olhar gestáltico frente a essas ditas “doenças” e que para nós gestaltistas, que tratamos como neurose, como situações inacabadas, produzidas por interrupções do contato, ou uma forma, ajustamento criativo necessário do indivíduo ao campo organismo/ambiente e frente ao novo, ao inesperado, que se dá na fronteira de contato ou na interrupção que se dá quando um dado se apresenta na fronteira, porém sombrio, pois limita e interdita o indivíduo, como verificamos no caso citado nesse artigo.
E é de suma relevância a teoria gestáltica da inibição reprimida para o entendimento clínico a respeito da crise de pânico e possíveis intervenções, pois o indivíduo é visto de maneira dinâmica, os ajustamentos não são tratados como doença e sim ajustamentos, formas. O indivíduo não é visto como se ele fosse formatado, padronizado e não estivesse em um campo que se altera a todo o momento.
A gestalt percebe o indivíduo como um ser que passa por alterações, como um ser em continuo processo de enfrentar o novo, sem precedentes e que para seu crescimento necessita de um movimento em direção a esse inesperado, que nada mais é do que o processo de contatar, caracterizada pela gestalt, como sistema self – ou, o que é a mesma coisa, os processos que constituem essa reedição temporal e inovadora que é essas trocas energias entre a materialidade física e campo/organismo ambiente.
Com relação ao caso citado, a jovem, que se ajustava criativamente se inibindo, como nos exemplos citados: que para se formar na faculdade, significa fazer sem sua mãe, por isso abandonou a faculdade; cuidar da filha significa se dar conta que já é mãe, que precisa exercer o papel que antes era de sua mãe, de protegida, passa a ter que proteger, o que, por não saber como cuidar, tem nuances de querer jogar o filho no chão ou de deixar ele cair.
Assim, inibe seus desejos, para que possa corresponder a um pedido de sua mãe, passando a evitar momentos e lugares que possam estimular a separação ou crescimento, fechando-se num processo rígido de controle, evitando situações novas, arriscadas, evitando amigos e lugares que possam confrontar com o novo.
Portanto, para gestalt terapia o “pânico” ou a interrupção dos ajustamentos criativos seria uma interrupção no processo de contato (ajustamento neurótico), mas especificamente, essa interrupção se relaciona com o surgimento de uma figura ou dado (estímulo), que represente “perigo” ou “ameaça.
Referindo-se às intervenções, estas se deram através de pontuações das formas, dos ajustamentos apresentados, pontuando o que a cliente estava abrindo mão em função da evitação do novo, a partir do momento que a paciente passa a se responsabilizar pelos seus atos, pelas suas escolhas, sem que esteja atrelado com sua mãe. Vivenciou a possibilidade de enfrentamento do novo através dos experimentos no set terapêutico e dos experimentos no seu campo/organismo ambiente, passando a constituir um desejo de se ampliar, de enfrentar o novo, de maneira consciente de suas possibilidades, de suas limitações.
A partir desse processo de se responsabilizar pelos seus atos e de perceber suas interdições a cliente sente a necessidade de tentar sozinha, de praticar por contra própria, sem a necessidade de modelos, fechando, assim, o contrato terapêutico, já que na gestalt terapia a alta é uma decisão do paciente, podemos entender essa vontade de caminhar por conta própria como o processo de “alta”.

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