domingo, 22 de maio de 2011

Psicologia da Saúde




Nas últimas décadas, pesquisas realizadas têm demonstrado que o comportamento e o estilo de vida dos indivíduos podem ter um impacto significativo sobre o desenvolvimento ou a exacerbação das doenças. Muitos comportamentos que auxiliam na promoção e na manutenção da saúde são geralmente desenvolvidos durante a infância e a adolescência, como hábitos alimentares saudáveis e prática de atividades físicas. Como especialistas em comportamento e saúde, os psicólogos têm desenvolvido e implementado programas que visam ao aumento na frequência de comportamentos saudáveis (Miyazaki, Domingos & Caballo, 2001).

No Brasil, as instituições de saúde constituem um novo campo de atuação para os psicólogos. O crescente interesse pela atuação na área específica da saúde surge da necessidade de entender e pensar o processo saúde/doença numa dimensão psicossocial e de compreender e intervir sobre os contextos do indivíduo ou grupos, expostos a diferentes doenças e condições de saúde impróprias.

Durante os últimos anos, diante da ideia de que a saúde, como um dos valores mais importantes para o ser humano, tem um impacto nas pessoas, os psicólogos têm-se dedicado a estudar e intervir sobre este impacto (Sebastiani, 2003).



Definição e Desenvolvimento

A Psicologia da Saúde é uma área recente, desenvolvida principalmente a partir da década de 70, cujas pesquisas e aplicações, respectivamente, visam a compreender e atuar sobre a inter-relação entre comportamento e saúde e comportamento e doenças. Até há mais ou menos três décadas atrás, a intervenção psicológica na área da saúde, estava quase que exclusivamente situada na área da saúde mental (Miyazaki, Domingos & Caballo, 2001; Barros, 2002).

O estudo da Psicologia da Saúde diz respeito ao comportamento humano no contexto da saúde e da doença, tomando como objeto o funcionamento psicológico das pessoas na sua relação com a saúde e a doença. Também são objetos de estudo os funcionamentos psicológicos habitualmente saudáveis envolvidos em situações que, mesmo implicando ajuste emocional, não acarretam alterações no estado de saúde, como por exemplo, a gravidez e o envelhecimento (Barros, 1999).

A Psicologia da Saúde não está interessada diretamente pela situação, que cabe ao foro médico. Seu interesse está na forma como o sujeito vive e experimenta o seu estado de saúde ou de doença, na sua relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Objetiva fazer com que as pessoas incluam no seu projeto de vida, um conjunto de atitudes e comportamentos ativos que as levem a promover a saúde e prevenir a doença, além de otimizar técnicas de enfrentamento no processo de ajustamento ao adoecer, à doença e às suas eventuais consequências (Barros, 1999).

Dessa forma, a Psicologia da Saúde busca compreender o papel das variáveis psicológicas sobre a manutenção da saúde, o desenvolvimento de doenças e comportamentos associados à doença. Além de desenvolver pesquisas sobre cada um desses aspectos, os psicólogos da saúde realizam intervenções com o objetivo de prevenir doenças e auxiliar no manejo ou no enfrentamento das mesmas (Miyazaki, Domingos e Caballo, 2001). Segundo De Marco (2003), o termo “psicologia da saúde” tem sido utilizado para denominar o conjunto de atividades exercidas por profissionais da área de psicologia no campo da saúde, não somente nas formas de assistência e pesquisa, mas também na forma de ensino.

Trindade e Teixeira (1998 e 2002) afirmam que o domínio da Psicologia da Saúde diz respeito ao papel da Psicologia, como ciência e como profissão, nos campos da saúde e da doença, incluindo as saúdes física e mental e abrange todo o campo da Medicina, mas ultrapassando-o ao levar em conta os fatores sociais, culturais e ambientais relacionados com a saúde e com a doença, uma vez que as significações e os discursos sobre a saúde e as doenças são diferentes consoantes com o estatuto socioeconômico, o gênero e a diversidade cultural.

Assim, dando relevância à promoção e manutenção da saúde e à prevenção da doença, a finalidade principal da Psicologia da Saúde é compreender como é possível, através de intervenções psicológicas, contribuir para a melhoria do bem-estar dos indivíduos e das comunidades (Trindade e Teixeira, 2002). A definição mais conhecida de Psicologia da Saúde foi dada por Matarazzo (1980):



P.S. é o conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais específicas da Psicologia, utilizadas para a promoção e manutenção da saúde, prevenção e tratamento das doenças, identificação da etiologia e diagnóstico (de problemas) relacionados à saúde, doença e disfunções, para a análise do sistema de atenção à saúde e formação de políticas de saúde (p. 815).



Dessa forma a área se distingue da Psicologia Clínica por compreender o comportamento no contexto da saúde e doença. Embora possa ser importante distinguir saúde mental e física, a Psicologia da Saúde focaliza principalmente os aspectos físicos da saúde e doença e os modelos empregados em saúde mental nem sempre são os mais indicados (Kerbauy, 2002).

Albery e Manafò (2008) seguem essa linha de pensamento, afirmando que a Psicologia da Saúde está interessada na saúde física em oposição à saúde mental, foco da Psicologia Clínica.

Historicamente, a Psicologia da Saúde começou com um grupo de trabalho em 1970, na American Psychological Association (APA), e, em 1978 foi criada a divisão 38, chamada Health Psychology, em resposta a uma crescente área de prática e pesquisa. Os objetivos básicos da divisão são avançar no estudo da Psicologia como disciplina que compreende a saúde e a doença através da pesquisa e encorajar a integração da informação biomédica com o conhecimento psicológico, fomentando e difundindo a área. Apesar de ser uma disciplina nova, a Psicologia da Saúde tem crescido rapidamente. A APA publica, desde 1982, a revista Health Psychology, a primeira oficial da área. Seguindo a tendência, em 1986, formou-se, na Europa, a European Health Psychology Society (EHPS, 2003), uma organização profissional que visa a promover a pesquisa teórica e empírica e suas aplicações para a Psicologia da Saúde europeia. Cada país-membro possui, ainda, sua associação de Psicologia da Saúde, que realiza atividades como congressos, simpósios, pesquisas etc. Foram criadas várias revistas especializadas: British Journal of Health Psychology (Reino Unido), Revista de Psicologia de la Salud (Espanha), Psicologia della Salutte (Itália), entre outras (Kerbauy, 2002; De Marco, 2003; Castro & Bornholdt, 2004; Sarafino, 2004).

Também em 1978 foi definido pelos participantes da Yale Conference, o campo de Medicina Comportamental que procurava integrar as ciências comportamentais e biomédicas. A perspectiva comportamental serviu como base para o campo da Psicologia da Saúde (Sarafino, 2004; Kerbauy, 2002).

A denominação é problemática e baseada em referenciais teóricos e discussão de como denominar uma área que aplica os princípios de psicologia a problemas de saúde e doença: medicina psicossomática, medicina comportamental, psicologia da saúde e psicologia hospitalar (Kerbauy, 2002). Bellar e Deardorff (citado por Miyazaki, Domingos e Caballo, 2001) alertam que a utilização de termos como medicina comportamental, psicologia médica e medicina psicossomática é “inadequada, confunde e limita o campo de atuação do psicólogo da saúde” (p. 464). Essa situação se reflete na prática na forma de confusão quanto à definição do papel profissional do psicólogo atuante na área da saúde. Neste contexto, faz-se necessário um apanhado das definições de cada teoria envolvida nessa problemática.

A Medicina Psicossomática é a especialidade médica das enfermidades etiologicamente determinadas por fatores emocionais, suscetíveis de compreensão psicanalítica desde que adequadamente interpretados os conflitos inconscientes específicos (Eksterman, 1975). Explicar os determinantes psicológicos dos sintomas corporais tem sido o principal objetivo daqueles que se dedicam à Medicina Psicossomática.

O conceito de Psicossomática integra três perspectivas: a doença com sua dimensão psicológica; a relação médico-paciente com seus múltiplos desdobramentos; a ação terapêutica voltada para a pessoa do doente, este entendido como um todo biopsicossocial (Eksterman, 1975). No Brasil, a grande maioria dos que militam em Psicossomática são psicanalistas, psiquiatras e psicólogos que trabalham com referenciais analíticos (Mello Filho, 1992).

Seguindo a vertente de Balint na Inglaterra, um psicanalista húngaro que realizou obra fundamental sobre a relação terapêutica em Medicina, e dando um sentido eminentemente prático, Pierre Schneider propõe e define, em 1971, a Psicologia Médica como um campo de estudo da relação médico-paciente (Mello Filho, 1992 & 2005).

A Psicologia Médica é o braço clínico da concepção psicossomática original, com uma diferença fundamental: a Psicossomática estuda as relações mente-corpo e seu foco é a patogenia, enquanto a Psicologia Médica estuda as relações assistenciais e seu foco é a terapêutica. O primeiro ressalta a questão diagnóstica e o segundo, a atuação clínica (Eksterman, 1992). Desse modo, “a Psicologia Médica vem a ser o todo que contém o particular, a visão psicossomática da Medicina” (Mello Filho, 1992, p. 19), ou seja, a Psicossomática ficou sendo o campo conceitual e a Psicologia Médica o terreno da prática profissional.

A Psicologia Médica tem como principal objetivo de estudo as relações humanas no contexto médico. A compreensão do homem em sua totalidade, no seu diálogo permanente entre mente e corpo, na sua condição biopsicossocial é fundamental para a Psicologia Médica (Muniz & Chazan, 1992).

Os autores da Psicologia Médica afirmam que o campo é primordialmente médico, como o próprio nome indica. A “sintomatologia psíquica esconde, mascara o quadro orgânico que subjaz a estas condições que necessitam de uma abordagem eminentemente médica. São situações que exigem a presença de um médico no seu comando” (Mello Filho, 2005, p. 15). Segundo Caixeta, citado por Mello Filho (2005), o doente do corpo, com sintomas psicossomáticos ou somatopsíquicos, é um paciente para ser assistido, a princípio, pelo médico. O paciente pode ser assistido pelo psicólogo, pelo assistente social, por nutricionistas, pelo fisioterapeuta etc, sempre sob supervisão de um médico.

A Medicina Comportamental é uma área do conhecimento relacionada às ciências da saúde, que reúne técnicas de modificação de comportamento para prevenção, tratamento ou reabilitação. Fundamenta-se no conceito de que uma grande parcela das doenças que afetam o homem decorre, principalmente, de comportamentos disfuncionais. A Medicina Comportamental vem se desenvolvendo desde a década de 70, com o encontro de diversas linhas de pesquisa básica e aplicada sobre o papel fundamental da cognição, emoção e comportamento para a etiologia, exacerbação, curso e prognóstico das doenças da área médica (Neves Neto, 2004).

A história da Medicina Comportamental é recente, década de 70, e surge como uma reação dos profissionais da saúde descontentes com a divisão mente e corpo difundidas pelo modelo biomédico, e insatisfeitos com a Medicina Psicossomática que somente empregava teorias psicodinâmicas para investigação das causas psicológicas de diferentes doenças físicas (Neves Neto, 2004). A primeira utilização do termo Medicina Comportamental foi em um livro no qual tenta diferenciá-la da medicina psicossomática, já que alguns autores entendiam que a Medicina Psicossomática não cumpria seu papel de adaptar seus métodos e intervenções para ser mais clinicamente útil e relevante (De Marco, 2003).

A característica definidora fundamental da Medicina Comportamental é a interdisciplinaridade, por se tratar de um conjunto integrado de conhecimentos biopsicossociais relacionado com a saúde e as doenças físicas, ou seja, considera a saúde e a doença como estados multideterminados por um amplo leque de variáveis, entre as quais devem-se incluir as do tipo somático ou biofísicas, as do tipo psicológico ou comportamentais e as externas ou ambientais (Caballo, 1996).

O termo “Medicina Comportamental” é utilizado frequentemente e incorretamente como similar da “Psicologia da Saúde”, porém, a prática da medicina comportamental também inclui terapias psicofisiológicas aplicadas, tais como biofeedback, hipnose e terapia comportamental de distúrbios físicos, aspectos da terapia ocupacional, medicina, reabilitação e fisiatria, bem como medicina preventiva (Caballo, 1996; Neves Neto, 2004; Leite, 2010).

Já a Psicologia Hospitalar “é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento” (Simonetti, 2004, p. 15). Para lidar com essa dimensão afetiva/emocional, a Psicologia Hospitalar é a especialidade da Psicologia que disponibiliza para doentes, familiares e profissional da equipe de saúde, o saber psicológico, que vem a resgatar a singularidade do paciente, suas emoções, crenças e valores (Bruscato, 2004). O objetivo da Psicologia Hospitalar é a elaboração simbólica do adoecimento, ou seja, ajudar o paciente a atravessar a experiência do adoecimento através de sua subjetividade (Simonetti, 2004).

De acordo com a definição do órgão que rege o exercício profissional do psicólogo no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia, CFP (2010), o psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar atua em instituições de saúde, participando da prestação de serviços de nível secundário e terciário da atenção à saúde, realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e unidade de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria.

Ainda segundo o CFP, o psicólogo oferece e desenvolve atividades em diferentes níveis de tratamento, tendo como principal tarefa a avaliação e acompanhamento de intercorrências psíquicas dos pacientes que estão ou serão submetidos a procedimentos médicos, visando basicamente a promoção e/ou a recuperação da saúde física e mental. Promove intervenções direcionadas à relação médico/paciente, paciente/família, paciente/paciente e do paciente em relação ao processo do adoecer, hospitalização e repercussões emocionais que emergem neste processo. Além de atuar em instituições de saúde, atua também em instituições de ensino superior e/ou centros de estudo e de pesquisa, visando o aperfeiçoamento ou a especialização de profissionais em sua área de competência, ou a complementação da formação de outros profissionais de saúde de nível médio ou superior, incluindo pós-graduação lato e stricto sensu (CFP, 2010).

O termo Psicologia Hospitalar tem sido usado no Brasil para designar o trabalho de psicólogos em hospitais. Essa denominação é inexistente em outros países além do Brasil (Sebastiani, 2003; Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002; Tonetto & Gomes, 2005). Yanamoto, Trindade & Oliveira (2002) e Chiattone (2000) explicam que o termo Psicologia Hospitalar é inadequado por pertencer à lógica que toma como referência o local para determinar as áreas de atuação, e não prioritariamente as atividades desenvolvidas. Assim, o termo denomina um local de atuação e não um campo de saber.

A APA (2010) demarca o trabalho do psicólogo em hospitais como um dos possíveis locais de atuação do psicólogo da saúde. Chiattone (2000) refere que a Psicologia Hospitalar é apenas uma estratégia de atuação em Psicologia da Saúde, e que, portanto, deveria ser denominada “Psicologia no contexto hospitalar”.


Raquel Ayres de Almeida
CRP-05/32597

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