quinta-feira, 26 de maio de 2011
Mastectomia: Aspectos Psicológicos Na Adaptação Psicossocial
Psicólogas : Beatriz Guedes de Castro CRP: 06/93057
Raquel Ayres de Almeida CRP: 05/32597
A mastectomia é um dos métodos mais utilizados para o tratamento do câncer de mama. É uma cirurgia mutiladora que visa remover todo o tumor visível. Como conseqüência dessa técnica, podem ocorrer prejuízos de ordem física, emocional e social. Na ordem física podem ocorrer infecções e há limitação nos movimentos dos braços e ombros, limitando as atividades diárias; o emocional fica abalado, circundado de sentimentos negativos em relação à doença; no campo social, a mulher encontra dificuldade em decorrência do sentimento de vergonha, escondendo a mutilação. (Sampaio, 2006).
A forma como a mulher vai responder à mutilação é individual e pode estar relacionada a alguns fatores como idade, auto-admiração, estrutura de ego, estado emocional e situação sócio-econômica, como será abordado a seguir.
A mama, como símbolo da sexualidade, quando danificada, altera a auto-imagem da mulher, surgindo sentimentos de inferioridade e medo de rejeição, sendo que quanto maior o investimento da mulher nesse órgão, maior será o sentimento de perda (SOARES, 2007).
De acordo com Soares (2007) ressalta que a mama confere à mulher sua identidade feminina que ao receberem o diagnóstico, esses valores ficam em suspenso, sem falar de angústia e medo da morte que permeia todo esse processo, ocorrendo uma diminuição da auto estima, sentimentos de vergonha e inferioridade, medo da rejeição do parceiro e evitação de relacionamento e quando a retirada parcial ou total da mama é comum a imagem corporal atual não coincidir com a imagem sentido e lembrada.
Percebe-se que certas mulheres se afastam dos seus parceiros, exatamente neste momento, passando até a evitar o contatos sexuais, ou seja, a mastectomia para a mulher passa a ser um desafio para a relação entre homem e mulher.
Macieira & Maluf (2008) afirmam que o marido ou companheiro desempenha papel relevante e singular no processo do câncer de mama, sendo provedor de suporte afetivo emocional ou suporte instrumental prático, ou seja, o marido consegue fornecer um suporte instrumental, porém a experiência relativa no que diz respeito ao suporte emocional encontra-se diminuída.
Kornblith & Ligibel (2003) ressaltam que mesmo em outros diagnósticos de câncer, o ajustamento entre a paciente e o parceiro encontram-se significativamente inter relacionados, assim sendo, se a adaptação da paciente melhora, o mesmo acontece com o parceiro, e vice versa.
Corbellini (2001, p.52) menciona que a mulher ao descobrir que está com câncer de mama, enfrenta dois momentos em torno de sua vivência, sendo a primeira uma confirmação de ter o câncer de mama e terá que enfrentá-lo e a segunda, seria um pensar em como dar a notícia para as pessoas mais próximas, e como irão reagir a partir desta condição.
Volich (1998) afirma que a referência à anatomia e fisiologia ou ainda a genética pertencente ao câncer de mama, não é suficiente para a compreensão do sofrimento de mulheres acometidas pela doença, onde o adoecer implica em uma dimensão identificatória e intersubjetiva não podendo ser omitida.
Assim, o autor acima descreve ainda uma consideração de múltiplas facetas do ser humano e de seus mecanismos do adoecimento e restauração da saúde, tornando imprescindível uma aproximação dos diversos saberes para então compreender os fenômenos permeados em torno do adoecimento.
Relacionamento Familiar e Funcionamento Social
Fernandes & Mamede (2003) mencionam que o apoio familiar é importante, para a mulher com câncer de mama tente superar os períodos de medo, ansiedade e depressão, assim contribuindo para que a mesma encontre formas opcionais em sua vivência, mesmo com suas limitações.
Liberato & Carvalho (2008) ressaltam que o câncer desestrutura a vida de quem se relaciona com ele direta ou indiretamente, pois amplia uma vasta experiência que implicam o surgimento de aspectos emocionais conflitivos presentes desde o choque do diagnóstico à incerteza do prognóstico.
A mastectomia causa um impacto que afeta não apenas a mulher, mas estende-se ao seu âmbito familiar, contexto social e grupo de amigos. Esse impacto é potencializado pelos tratamentos indicados associados à cirurgia. A situação da doença e da mastectomia afeta os relacionamentos interpessoais na família, visto que diante de todo o processo, as alterações de ordem física, emocional e social na vida da mulher se estendem aos familiares. (Melo, Silva & Fernandes, 2005)
O impacto na família não se resume à reorganização necessária para atender as necessidades cotidianas e de cuidado à saúde da mulher, afeta também os relacionamentos. Diante do diagnóstico de uma doença crônica, a família enfrenta uma série de tensões excessivas que interferem nas relações dentro da unidade familiar. (op cit.).
Uma situação de crise familiar, como é o caso de uma doença como o câncer, pode alterar os modos de relação de interdependência dos sujeitos envolvidos, podendo tornar os conflitos maiores e de resolução mais difícil. As mudanças no cotidiano das pessoas podem promover um estado de equilíbrio ou desequilíbrio, dependendo da compreensão ou entendimento das pessoas acerca da situação, além dos meios ou artifícios de ajuda e auxílio disponíveis utilizados pelos envolvidos. Dessa forma, o processo de descoberta e tratamento da doença, embora cause um impacto inicial, pode representar ou não conflito na família. Na pesquisa de Melo, Silva e Fernandes (2005) por exemplo, foi verificado que esse processo representou um elo de união para a família, proporcionando um melhor enfrentamento da situação.
Os autores relataram ainda que a família, ponto de apoio fundamental para o crescimento interior da pessoa, é uma força positiva para as tomadas de decisões e transformação de conceitos e comportamentos. O ajustamento familiar, de forma íntima e harmoniosa, e as condutas éticas poderiam contribuir para posicionamentos sociais e culturais no combate à comportamentos inadequados. Outro dado importante observado na pesquisa é a contribuição do oferecimento de cuidados e atenção à mulher para uma recuperação mais rápida e menos traumática. (op cit.).
Mesmo diante dos relatos constatando que o câncer de mama e a subseqüente mastectomia muitas vezes representam um fator articulador na dinâmica familiar, integrando os membros entre si e mobilizando toda a família em torno do problema, os autores não descartam a hipótese de uma degradação familiar. O relacionamento, segundo eles, seria facilitado apenas quando há uma comunicação aberta e flexível, capacidade de articulação de expressões e sensibilidade para perceber comportamentos verbais e não-verbais. Dessa forma, a reação das pessoas estaria associada ao nível de relação da família anteriormente à doença, ou seja, a doença vai se constituir num fator contribuinte às relações interpessoais existentes no contexto familiar, tornando-as mais fortes ou mais frágeis. (op cit.).
De acordo com Bervian e Girardon-Perlini (2006), a família geralmente não está preparada para enfrentar o adoecimento e para suportar o sofrimento de seu familiar, contribuindo para que este processo se torne mais sofrido para a mulher. Por outro lado, a reação dos parceiros diante da mastectomia depende da reação da mulher: aceitando a amputação da mama, influencia o marido a também aceitar o fato, melhorando o relacionamento.
Entendendo a família como um sistema interligado, cada um dos seus membros tem influência sobre o outro, sendo que o adoecimento de um dos integrantes, neste caso mãe/esposa, tem reflexos no comportamento, no estado emocional e até biológico dos demais. O câncer de mama e a mastectomia causam uma situação de desorganização entre os membros, sendo que com o passar do tempo a situação vai sendo processada, enfrentada e elaborada, possibilitando à família reorganizar-se com base nas novas experiências e nos velhos laços que os uniam. O afeto familiar permite à mulher manter uma certa estabilidade para lutar contra a doença, conseguindo suprir suas carências emocionais e alcançando uma melhor aceitação e orientação comportamental. (Bervian & Girardon-Perlini, 2006).
Nesse mesmo sentido, Cunha (2004) afirma que
a família/cuidador exerce um papel primordial na vida destas mulheres, oferecendo apoio e ajudando-as a suportarem melhor o diagnóstico da doença e superarem os transtornos advindos deste, como a perda da mama, garantindo desta forma uma vida mais ajustada, menos estressante e com perspectivas de cura. (p.10).
Para isso, segundo a autora, o cuidador deve ser capaz de entender as necessidades do outro e de responder a elas de forma adequada. Diante de uma mutilação e modificação da imagem corporal, o cuidador deve estar presente auxiliando, orientando e até ensinando mudanças na prática diária incorporando novas rotinas, novos cuidados e novos desafios, visto que a mudança traz consigo dificuldades que nem sempre são fáceis de superar. (op cit.).
Cunha não deixa de salientar o significado particular que um acontecimento vital como o câncer de mama e a mutilação representam. Segundo a autora, esse momento afeta a vida familiar como um todo e é capaz de produzir modificações na estrutura e no funcionamento da família, implicando em ajustamentos e mecanismos de enfrentamento a fim de incorporar uma nova situação. (op cit.).
O relacionamento marital, quando existente, é considerado por muitos autores como fundamental para a reestruturação da integridade da mulher, já que por conseqüência da mutilação proveniente da mastectomia, a mulher tem sua auto-imagem alterada , interferindo na sua autoconfiança e auto-estima. Dessa forma, nesse momento em que ela se sente diminuída na sua feminilidade, atratividade e sexualidade, a presença do companheiro se torna imprescindível para esta reestruturação. (Arán et al., 1996).
Segal (citado por Paula, s.d.) observa que os casais que tentam vencer a dor e o sofrimento sozinhos, isolados um do outro e não compartilham a tristeza, tendem a considerar o processo da doença e do tratamento mais difícil. Cunha (2004) considera que a falta de apoio do marido nesses momentos de doença é considerada como forte agressão à mulher, afetando sua auto-estima, num momento em que necessita de ser aceita, de compreensão e de carinho.
Sabe-se que o câncer de mama e a conseqüente mutilação causada pela cirurgia não afetam apenas as relações familiares: as relações sociais são profundamente afetadas, já que o câncer ainda possui uma conotação de contágio e terminalidade, causando preconceito por parte das pessoas. Aliado a esse aspecto, o constrangimento associado à doença estigmatizante, leva a mulher a se afastar do seu convívio social. (Melo, Silva & Fernandes, 2005).
Essa inadequação dos relacionamentos sociais da mulher mastectomizada no período de readaptação, poderá dificultar o seu ajustamento social, dificultando assim, a sua reabilitação. (op cit.). A morte dos papéis sociais que se dá pela mudança da rotina vivida anteriormente gera uma necessidade constante de adaptação ao tratamento e ao novo estilo de vida, limitado em decorrência da cirurgia.
Duarte e Andrade (2002) observaram que as dificuldades encontradas na retomada da vida social após a mastectomia é caracterizada por uma série de fantasias e medos, despertados pelo contato com o mundo externo, implicando numa mudança de comportamento em que as mulheres mais sociáveis tornaram-se mais reservadas. Pode-se observar na pesquisa dos autores que nem sempre o mundo externo ou as pessoas do convício social reagem ou dão alguma impressão que leve as mulheres mastectomizadas a se afastarem. Muitas vezes essas mulheres fantasiam em cima do comportamento das pessoas, crendo que sua percepção é verídica.
Uma pesquisa realizada por Sales et al. (2001) quanto ao funcionamento social das pacientes, demonstrou que o relacionamento familiar e social não mudou para 60% das mulheres após o diagnóstico e tratamento. As demais (40%) relataram mudanças tanto positivas quanto negativas. Dentre as mudanças negativas encontram-se dificuldades da própria paciente, como depressão, isolamento, vergonha e diminuição do prazer sexual, e também dificuldades em relação ao comportamento das outras pessoas, como distanciamento, curiosidade e discriminação. Já como mudanças positivas, foi relatado com unanimidade, a atenção recebida, que se tornou mais freqüente.
Melo, Silva e Fernandes (2005) utilizam a idéia de autoconceito associado ao câncer de mama, no sentido de que, o valor que a mulher atibui a si mesma influencia o significado de sentir-se com câncer, que influencia por conseguinte, a forma de dar e receber afeto das outras pessoas. Através do processo de autoconceito, a pessoa desenvolve a capacidade para o enfrentamento de problemas.
Outra questão muito discutida por autores é que as cirurgias mutiladoras também podem afetar a percepção do próprio corpo, implicando em mudanças na imagem corporal, podendo vir a afetar a sexualidade das pacientes submetidas à mastectomia, como será abordado a seguir.
Continuação amanhã.....
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